26 de abr. de 2013

O sorvete de bola




Se existe algo unânime entre todos os seres humanos, o hábito de viajar pontua os primeiros lugares na lista das paixões. Independentemente de sexo, idade, religião, poder aquisitivo, sempre haverá um lugar para passear, comprar, descansar, e se entreter ao modo que lhe convém.
Filhos, esposa e eu fomos a um parque aquático, e era uma coisa que eu nunca antes vira: uma lagoa coberta com marolas. Havia crianças a brincar; idosos que se banhavam; pessoas que se divertiam. Era uma verdadeira represa, daquelas de fazer inveja no monstro do Lago Ness -  tinha tanta água que havia inúmeros tampões a fim de bloquear a passagem da mesma para que não escorresse cidade afora, já que o parque ficava nas proximidades urbanas da região, bem como um açude. Diziam que ali havia quase um milhão de metrso cúbicos de água – muita coisa! Entorno havia orlas para passear, bancos para sentar, restaurantes, bares, sorveterias, enfim, um centro de consumo diverso: um ponto turístico ímpar.
As ondas vinham de pouco em pouco, mas começaram a crescer. Eu estava num banco sentado, de modo que meus três filhos compreendiam o ângulo de minha visão. Minha esposa tinha ido buscar um sorvete de bola.
Sem saber de onde, nem como, eis que, repentinamente, surge uma grande onda. Ninguém ali naquele lugar tinha tempo pra nada e, quando dei por conta, a coisa estava sobre minha cabeça, segurei firme no banco e existem momentos na vida em que a gente tem cem por cento de certeza das coisas, e ali me convenci que nenhum cristão sobreviveria. Fazer o que? Sempre digo que se algo tiver que acontecer, que seja comigo; se tiverem que sequestrar meus filhos, me levem. Se tiver que me atirar na frente de uma bala para salvar a vida deles, não tem problema. Coloco a família em primeiro plano e estou sempre um passo à frente, a fim de protegê-los. Mas ali não tinha jeito. A tsunami arrastou tudo!
Quando eu estava debaixo d`água e não tinha mais fôlego, a corrente me puxou ainda mais para baixo, porém, me levou a uma vala que parecia um bolsão de ar. Fiquei preso ali, e pensava na família. O maremoto só acabou porque os tampões foram arrebentados pela força da água: inundou a cidade e, no lugar da gigante piscina, ficou um imenso vale seco – a água escoou toda. Havia muitas pessoas ao chão. Desesperei-me em busca da família. Perguntava a todos se haviam visto crianças, mas estavam aterrorizados. Alguém me disse com infeliz realidade que a chance de terem sobrevivido era impossível.
Horas depois, o resgate apareceu e, em minha direção, uma moça trazia uma maca de dois andares, tal como um beliche. Na parte de baixo, meu filho Lorenzo. Na parte de cima, meu outro filho Pedro Henrique - os dois intactos como pedra. Minutos após, Lorenzo começou a se mexer, peguei-o no colo, mas o Pedro nem sinal e tentei reanimá-lo, de modo que demorou a abrir os olhos, porém, quando o fez, transbordou em felicidade ao me ver: minha emoção aflorou.
Faltava minha outra filha e minha mulher, eu já estava desesperado e assustado, não sabia o que fazer e fiquei no local sem me mover, foi quando apareceu minha esposa de mãos dadas com a menininha. Ambas, felizes, vinham em minha direção e, Lara, com uma das mãos segurava um sorvete de bola.

“Não se prende a natureza, pois quando se libertar revoltará em fúria”. – autor desconhecido.

Nenhum comentário:

Postar um comentário